(hike & fly)
2ª temporada
Ter dado o primeiro passo quase há um ano, fez com que se me tivessem aberto portas para uma nova realidade. Fazer travessias no magnífico mundo dos Alpes, passou a fazer parte do cardápio para férias.
Em conversa com um amigo, fiquei a saber que uma travessia W/E seria mais fácil. Então rapidamente surgiu a ideia Genebra – Bérgamo. Depois surgiu o COVID-19 e a dúvida de que esta viagem se pudesse realizar manteve-se quase até à partida. As fronteiras na Suíça abriram dia 15 de Junho e eu viajei a 19, os Italianos diziam que abririam fronteiras a 1 Julho e eu tinha regresso a 4.
Começaria em Annecy. Depois, se passaria a N ou a S do Monte Branco seria a 1ª dúvida e, caso passasse a S, se subiria depois por Martigny ou por S do Matterhorn seria a segunda dúvida a desfazer. Decidi que seria o 1º voo a trazer-me a resposta à 1ª indecisão.
Quando cheguei a Annecy, vi as previsões para a 1ª semana que me pareceram bastante animadoras. Teria de evitar ao máximo aterrar nos vales para reduzir horas de caminhada que poderiam comprometer um dia de voo. Além disso, andava a sentir-me bastante cansado, pelo que sabia que não podia repetir a dose de kms e desnível do ano passado.
21 Junho 2020
Dia com muitas nuvens e vento relativamente forte de N. Seria o início de mais uma travessia nos Alpes, mas aquele em que provavelmente estaria mais acompanhado de outros parapentistas. Talvez por isso, os nervos eram apenas qb. O dia não estava a funcionar muito bem – a ponto de não ver ninguém a fazer a travessia para o outro lado do lago – e eu ceguei tanto na minha trajetória pré-definida, que mesmo com estas condições não alterei o meu trajeto inicial e optei por passar a S de La Tournette. Se foi para manter em aberto a possibilidade de fazer a travessia a S do Monte Branco ou se foi apenas burrice, não sei responder.
Subi relativamente bem a N da descolagem e tentei sair uma primeira vez. A perder muito, voltei atrás. Voltei a subir e fui-me encostar à montanha a SE da descolagem. Pouco ganhei e rapidamente perdi quando saí para sotavento. As pequenas encostas a S “fizeram manguito” e fiquei a meia encosta. Mal tinha saboreado as paisagens e já estava de novo no chão. O lago, o sol na planície, as montanhas a S e a E, tudo me tinha passado pelos olhos de uma forma muito fugaz. Estava contente por estar de novo livre a percorrer os Alpes, mas, claro, também triste porque não eram horas de estar a dobrar a asa. O MAPS.ME mostrava-me um lago já ali, a 8,9km, e o Google Maps dizia-me que para W muito provavelmente conseguiria descolar. Toca a subir 1100m para o Lac du Mont Charvin. Da crista via-se o Monte Branco e esta encosta escarpada virada a E/SE estava a sugerir um voo matinal. Só teria de descobrir uma descolagem!
Link do Voo: http://www.xcportugal.org/index.php?name=leonardo&op=show_flight&flightID=76547
Voo animado: https://ayvri.com/scene/0o5vd4zm56/ckilzolm600013a6gczraehkt
22 Junho
Mal acordo, subo à crista logo antes do pequeno-almoço. A paisagem está soberba, especialmente o vale a E da crista, com o Monte Branco a rematar a linha do horizonte. Já só me imagino a sobrevoar este vale, e com isto cresce um nervosinho. É que se quiser fazer o tal voo cedo, não terei uma descolagem muito famosa. As previsões para hoje são de vento mais forte que ontem e bastantes nuvens. Decido fazer umas caminhadas às redondezas e ir vendo o evoluir do dia. Não encontro a tal descolagem de jeito para E, o Mont Charvin encontra-se coberto por nuvens e instala-se a indecisão e os dilemas. Descolar ainda hoje para W, com estes tectos baixos? Estará o vento demasiado forte? Se ficar aqui até amanhã arrisco uma descolagem para E ou aguardo para W??? O que me vale é que esta paisagem é deslumbrante. Que todas as dúvidas da minha vida fossem dissipadas numa paisagem destas!
Já a tarde ia longa, quando começo a ter visões. Um parapente na base da nuvem que envolve o Mont Charvin, e depois outro. Após vários segundos em que aqueles dois parapentes não desaparecem como fumaça, começam os insultos à minha pessoa, pois afinal não eram visões!! “Já que não fizeste um cross, pelo menos vai fazer um dinâmico nestas paredes!” Desmontar tenda, arrumar tudo no saco, subir uns metros, preparar material todo para descolar e… pumba. Alguém desliga a ventoinha. Voltar a arrumar tudo, descer, e voltar a montar a tenda. Para afogar as mágoas, subo à crista para assistir ao pôr-do-Sol de um lado e o Mont Blanc do outro! Afinal, nem tudo são rosas… mas quase!
23 Junho
Acordo à mesma hora do dia anterior e repito a dose. Antes do pequeno-almoço, vou cumprimentar o Mont Blanc. O dia está a pedir que descole cedo. A ideia é fazer esta encosta pela sua face E/SE na sua totalidade e depois passar o vale de Sallanches para as paredes N de Passy, ou fazer a 1ª parte desta crista até “La Giettaz” e aí passar para a face W/NW cruzando depois no final para Passy. Encontro-me na crista que sobe para o cume do Mont Charvin, virado para N. À minha direita tenho a escarpa. Se me puser mesmo na ponta, sinto a brisa a funcionar. As nuvens passam acima de mim vindas de S e a meteo dava NW para hoje – está aqui uma rica mistura, está! Já tinha descolado uma vez do “Dent de Crolles”, em que a descolagem também se faz paralelo à escarpa, mas… pois! Não é bem a mesma coisa! Digo ao “anjinho” que desta vez vou dar ouvidos ao “diabinho”, mas que ele não vá para muito longe porque ainda posso precisar dele.
Onde me encontro para descolar, não há sequer uma pequena erva a abanar. Dou uns passos com energia, e num instante a asa arranca-me do chão. Passa-me uns bons 45ºs e penso logo: “Pronto! Fizeste merda!” Mas o Anjinho não se tinha ido embora! A pendente era tipo Sra. da Graça e, quando desfaço o pêndulo, dou apenas mais dois passos e saio a voar. Ligo o Flymaster já em voo e vou importunar uns abutres. Está a funcionar bem junto à parede e afastado na nuvem, o que me permite relaxar depois de uma pré-descolagem e descolagem muito stressantes. Mas talvez por ter relaxado demais afasto-me demasiado da parede, e faço o resto da parede desta 1ª crista sempre a perder. Um dia BOM a negrito e eu no chão, a esta hora, marrecado. Não perco tempo com lamúrias e rapidamente estou de novo com a asa às costas em direção a uma nova descolagem. Fico todo contente quando vejo o teleférico de “L’Étale” a funcionar… mas estava em manutenção. Uns parapentes no ar renovam-me a motivação e apenas me permito descansar quando chego ao local para descolar. Desde que aterrei até ter chegado a uma nova descolagem, demorei pouco mais de 2h. Finalmente no ar novamente. Já há bastantes nuvens no céu, ao ponto de nem sempre conseguir ver o Mont Blac. Sigo pela crista eufórico. O dia está lindo e a paisagem ao meu redor enche-me a alma. Percorro, diversas vezes, com o olhar o percurso que já fiz desde “La Tournett”: a aposta que fiz em ter feito um voo cedo não comprometeu o dia. Estou quase a chegar ao final da crista quando uma boa térmica deriva para o meu caminho previsto. Na encosta de lá tenho uma nuvem que queria evitar mas, como chego relativamente baixo, não tenho por onde fugir. A recepção é bastante calorosa! Se fosse um jogo de futebol, a equipa adversária tinha sido toda expulsa com tanta entrada a pés juntos. Numa delas, a asa foi-me tão atrás, que tive de dar uma volta dos manobradores aos punhos para segurar o cabeceio. De novo de olhos postos no Monte Branco (depois desses mesmos olhos terem passado pela pega do reserva), sigo para mais umas térmicas. Glacier des Bossons, Mont Blanc, Glacier de Bionnassay, Glacier de Trelatete… Bem! Eles estavam a pedir! Não dava para passar por ali sem dizer um olá mais demorado e amanhã haveria outro BOM a negrito. Com uma paisagem deslumbrante a 360º,não podia ter escolhido melhor aterragem. Depois da frustração da marreca, tinha agora uma recompensa de todo o tamanho. Não cabia em mim de tanta felicidade e a asa teve de esperar bem mais de meia hora até que a dobrasse. Um pouco abaixo, tinha uma pequeno lago onde aproveitei para lavar a roupa e o corpo e passar parte da tarde. A noite, essa seria passada na 1ª fila, bem em frente ao palco!
Link do 1º voo: http://www.xcportugal.org/index.php?name=leonardo&op=show_flight&flightID=76607
Voo animado: https://ayvri.com/scene/0o5vd4zm56/ckilzxfqn00013a6g85asx49a
Link do 2ºvoo: http://www.xcportugal.org/index.php?name=leonardo&op=show_flight&flightID=76627
Voo animado: https://ayvri.com/scene/0o5vd4zm56/ckim0ciiy00013a6gwn46x7nj
24 Junho
Acordei com o sol a pintar a cabeça do Mont Blanc. Pouco tempo depois, vi um ponto a afastar-se do cume, do lado esquerdo, para E, e logo de seguida outro, mas para W: já havia dois “móderfóquers” a voar lá nos píncaros!
Depois, entretenho-me a ver 2 balões de ar quente para W, e entretanto começam os primeiros parapentes a descolar, pouco depois do teleférico entrar a funcionar. O nervosinho começa a instalar-se em mim, apesar de hoje ter “windummys”.
Estava eu ainda à espera de uns raios de Sol mais fortes para me acabarem de secar a tenda, quando passou um parapente a uns 100m acima de mim: guarda-se a tenda mesmo assim, que não enferruja! A excitação era tanta que nem esperei por uma brisa, por mais pequena que fosse, para descolar em invertido. Claro que falhei a descolagem, e barafustei: “eu disse-te que não dava, car…!”
Finalmente no ar, com aqueles colossos todos. Glaciares de todos os feitios, os jurasses, agulhas, dentes de gigante e, claro, o imponente Monte Branco. Os montes a NW que me perdoem, mas neste troço só consegui olhar para SE. Ao deixar esta parte do maciço do MB para trás, a diferença foi enorme. Deixei de ter um maciço enorme que me fazia olhar para cima e onde o Monte Branco reinava, para passar a a reinar o verde e altitudes bem mais modestas. Estava a entrar na Suíça. E logo de seguida uma nova diferença abismal. Depois de estar “sufocado” por gigantescas montanhas em vales relativamente estreitos, eis que me encontrava a atravessar o Rio Rodano, num vale seguramente dos mais largos dos Alpes… e eu bastante baixo. Depois de ter feito esta segunda parte do voo sempre baixo, fiquei com a sensação que esta passagem do vale teria de ser feita com mais altitude. Até porque tinha feito a última parte do voo até ali com outro parapentista, que ficou a entubar enquanto eu iniciava a travessia. Já do lado de lá, onde praticamente só havia os estradões entre vinhas para aterrar, o outro parapentista juntou-se a mim e ainda fizemos uns bons kms a trabalhar em equipa. Foi sobrevivência pura até Sion (Savièse).
Aterrado em Savièse, já não subo para Anzère e desço para a cidade. Tenho lá em baixo umas Super Bock’s à minha espera na companhia do Filipe (Soneca), que me deu jantar e guarida para essa noite.
Link do voo: http://www.xcportugal.org/index.php?name=leonardo&op=show_flight&flightID=76660
Voo animado: https://ayvri.com/scene/0o5vd4zm56/ckim0j92g00013a6g81kp3ksi
25 Junho
Tomo o pequeno-almoço à pressa para apanhar o 1º autocarro para Anzère, mas já só apanho o 2º. Quero aproveitar, porque, pelas previsões, este será o melhor dos próximos dias. No dia seguinte ainda se voa, mas depois terei 3 dias de chuva. Já lá em cima, vejo os teleféricos em movimento e fico todo contente com mais esta boleia, mas só começam a funcionar no dia seguinte . Hoje será só para levar mantimentos.
Pouco depois de descolar, já subo o suficiente para me lembrar que ontem, por ter feito este vale muito rasteirinho, perdi grande parte da paisagem que agora me volta a deslumbrar. As nuvens começam a crescer demasiado rápido e tenho de ameaçar espaço aéreo reservado para me desviar duma. Este crescimento ameaçador mantém-se e a paisagem para E não me dá confiança para continuar o voo. Vejo que tenho neve para repor a água, boa relvinha para aterrar, descolar montar tenda e uma óptima paisagem para desfrutar, pelo que decido aterrar. Ao longo da tarde, o tempo descamba em vários sítios e ao final da tarde vem a trovoada. A paisagem, essa, continua magnífica.
Link do voo: http://www.xcportugal.org/index.php?name=leonardo&op=show_flight&flightID=76667
Voo animado: https://ayvri.com/scene/0o5vd4zm56/ckim0pgz900013a6ghk1nqweq
26 Junho
Acordo com o Sol já a iluminar as altas montanhas dos maciços em frente. Tento perceber se já consigo avistar o Matterhorn, mas ainda não está visível. Às 10h as nuvens formam-se e desaparecem rapidamente. Hoje há previsões de mais vento, o que não me deixa confortável. Dou uma espreitadela ao Live track da Flymaster a ver se já há actividade parapentista nos arredores, e nada.
Descolo quando já há umas nuvens um pouco mais consistentes. Contorno o monte onde descolei e parece-me que já estou a voar a boa velocidade. No morro seguinte, subo pouco com uns 8’s, e na passagem do vale, estreito, a nuvem que lá me chamou deixa-me pendurado. Nada está a funcionar! Queria muito chegar ao Aletsch bastante alto, mas só o querer não chega. As paredes expostas ao Sol não estão a funcionar, e por isso tento ir para as paredes viradas ao meteorológico de NW. Mas chego tão baixo que nem chego a perceber se funcionaria.
Pela 1ª vez nesta travessia, aterro fora da montanha. O calor está insuportável e tenho alguns dias de chuva pela frente. Abasteço a despensa e almoço como se não houvesse amanhã. Depois vou até Bitsh. Apercebo-me que estou em contra-relógio para ainda ir dormir com vistas para o Aletsch e apanho um comboio para Mörel ainda a tempo de apanhar o teleférico para Riederalp West. Ainda faço uma pequena caminhada até um miradouro, mas monto a tenda no bosque.
O voo não tinha corrido muito bem, mas agora estava na companhia de, provavelmente, o mais bonito glaciar que alguma vez vira… e com prognóstico para assim me manter por vários dias.
Link do voo: http://www.xcportugal.org/index.php?name=leonardo&op=show_flight&flightID=76677
Voo animado: https://ayvri.com/scene/0o5vd4zm56/ckim0vhmj00013a6gr3sfogso
27 Junho
Acordo mais tarde que o costume, devido ao facto de estar envolto por árvores que não deixam o Sol penetrar. Ainda tenho uma réstia de esperança de fazer um voo cedo, por isso não demoro muito a fazer-me ao caminho. Demoro é depois durante o caminho, pela quantidade de paragens que faço para observar o Aletsch. O tempo não está promissor e fico com receio de marrecar, mas vou-me equipando. Estou quase preparado para descolar quando vêm umas rajadas fortes e laterais. Após alguma espera, mudo de sítio e reposiciono-me para o vento, mas as rajadas continuam a ser demasiado fortes. Entretanto, e estando tudo azul para S, começa a ficar bem escuro e carregado para N. Ainda a acreditar num milagre, começo a sentir as primeiras pingas. Começo a dobrar tudo à pressa e abrigo-me numa pedra. Passado o dilúvio, tiro bilhete para a 1ª fila virada para o Aletsch.
28 Junho
Alguma chuva miudinha durante a noite. Levanto arraiais e vou dar uma caminhada pela crista para ver um pouco mais do Aletsch. Depois monto tenda de onde não seja visto dos teleféricos, onde tenha água/neve e onde tenha uma vista privilegiada sobre o Aletsch: as previsões são de chuva forte para amanhã, por isso é para ficar duas noites.
29 Junho
Chuva e mais chuva, e neve nos pontos mais altos. Mas, quando abriu, tive dos mais lindos finais de tarde: Matterhorn, Monte Rosa e todos os outros destapados. Até o Monte Branco se deixou ver!
30 Junho
Manhã muito fresquinha. Vou cedo para o spot da descolagem, pois quero ver o evoluir do dia. As previsões são boas e é o melhor dia de mais três possíveis. Há vários parapentistas no ar mas todos rasteirinhos. A única nuvem em todo este céu está precisamente na descolagem oficial de Fiesch, e teima em não subir. Demora até que alguns parapentistas subam acima de onde estou.
Hoje estava com alguma esperança de conseguir fazer este vale para NE até Ulrichen – onde faria depois o “Passo della Novena” – e depois fazer ainda grande parte do vale de Airolo. Mas, com o dia a começar tão tarde, já fico com algumas dúvidas. Não há nenhum “windummy” alto, e os que passam o vale do Glaciar Fieschergletscher (Fieschertal) chegam à outra encosta muito baixos e já não os vejo a subir. Por fim, fica apenas um parapentista próximo à descolagem oficial a subir devagar, quando começo a ter umas rajadas fortes e laterais. Penso que é melhor ir para o ar e tentar sobreviver do que arriscar ficar com a descolagem varrida pelo vento. Descolo, o outro parapentista vai para baixo, e fico sem referências.
_Bonito: chegaram a estar aqui uns 10 parapentistas, e agora que precisava de uma ajuda… Parece que vem aí uma tempestade e só eu é que não sei!
Vou para cima da descolagem oficial e começo a subir. Ando ali “aos papéis”, com um bom assimétrico à mistura, mas ainda não consigo ver o Aletsch em condições. Insisto, até que finalmente se sobe um pouco mais, e consigo fazer-me a vontade de ver este espectáculo em pleno voo. Já feliz da vida, volto a dar tempo de antena a toda magnífica paisagem que me rodeia e a pensar na sorte que tenho de estar a voar, e logo num sítio destes.
Estava a tentar perceber em que vale teria de virar, quando vejo que o vale termina abruptamente e se eleva logo uma gigantesca parede. A parede do Furkapass! É magnífico como um vale tão largo acaba assim tão de repente!
Eu viro um pouco antes e começo-me a despedir deste imenso e bonito vale. Chegado ao lado de lá, e já no vale para o Nuefenen Pass, pouco ou nada apanho, e as eólicas do lago Griessee dizem-me que lá em cima vou ter vento contra.
Aterro a meio do vale ainda cedo. As condições mantêm-se boas e quero tentar subir rapidamente os 7km que tenho pela frente com 700m de desnível, para ainda tentar fazer uma perninha do vale de Airolo: de preferência, aterrar no vale para abastecer a despensa e subir no dia seguinte. Se não tiver teleférico, é preferível desperdiçar o dia seguinte, que é o mais fraco dos dois que restam. Só que subir rápido é muito relativo e chego lá em cima já com algum avanço nas horas. E, como se não bastasse, aquilo parece a festa dos cabos e postes de alta tensão! Afinal não era só chegar ao colo e descolar: ainda tinha de subir mais um pouco para conseguir passar por cima dos cabos.
As horas estavam a passar, e queria ir para o vale a todo o custo! O ganho em relação aos postes não era significativo, e coloquei a hipótese de passá-los por baixo – mas até isso seria difícil pois havia duas linhas de postes, e desencontrados. Do sítio que encontrei para descolar, não se via se uns kms à frente dava para passar entre a montanha e os postes/cabos – e o dia a escurecer. Mesmo que desse para passar, não sabia se a seguir o emaranhado de postes e cabos ia acabar, se iam passar para a outra encosta, ou como estaria no vale para aterrar, e a esta hora já não podia contar com a actividade térmica.
A parte de mim com algum juízo tentou abortar a descolagem várias vezes. Quando já estava pronto e de manobradores nas mãos, a outra parte, nas suas alegações finais, argumentava que poderia sempre aterrar mesmo antes do sítio onde a montanha quase beijava os cabos.
Não fosse ter de tomar a decisão de abortar ou não o voo caso não houvesse passagem, este voo parecia os de Linhares, no início do curso, já depois do pôr-do-sol, só a ouvir o vento e a respirar tranquilidade.
Com todo este estendal montado, não tenho qualquer hipótese de passagem. Aterro e conformo-me com ter de dormir em plenos Alpes, junto a esta grande invenção humana, mas horribilis poluição visual. Tomo banho no pequeno e gelado riacho e lavo a roupa.
_Amanhã terei de arranjar forma de ir para baixo!
Link do 1º voo: http://www.xcportugal.org/index.php?name=leonardo&op=show_flight&flightID=76800
Voo animado: https://ayvri.com/scene/0o5vd4zm56/ckim10qya00013a6guw66h1d7
Link do 2º voo: http://www.xcportugal.org/index.php?name=leonardo&op=show_flight&flightID=76804
Voo animado: https://ayvri.com/scene/0o5vd4zm56/ckim15jww00013a6ga58k4i3v
1 Julho
Cedo o céu se enche de nuvens. Caminho até a encosta deixar de ter a companhia dos cabos e postes, e depois continuo a caminhar até arranjar uma clareira para poder descolar e fazer uma marreca para o vale. Ter uma asa às costas e ter de descer a pé o monte todo, é demasiado frustrante!!! Uma clareira e um espaço entre árvores suficientemente larga para descolar. Volta e meia vem uma brisa que me vai permitir descolar. Tudo pronto. Só me falta ligar o Flymaster apenas para me registar o voo e… o bordo de ataque desliza pelo resto da asa. Vento descendente… seguido de umas 1ªs pingas. Onde é que eu já vi isto!?!? Toca a arrumar tudo e abrigar-me um pouco no telhado do refúgio que há aqui. Vou ter mesmo de descer a pé. O primeiro lugarejo que encontro é Ronco. E aqui bebo a cervejinha da praxe da comemoração de mais uma travessia neste belo paraíso que são os Alpes.
No dia seguinte perdi um bom dia de voo. Talvez o dia em que as previsões saíram mais ao lado. Mas não me sentia com forças para caminhar mais 5h.
No final da travessia encontrei este companheiro. Não sei porquê, mas senti logo uma afinidade por ele!!
Foi uma primeira semana que podia ter voado todos os dias, em que os dias que não voei podia ter feito vôos locais, e uma segunda semana a fazer “parawaiting” num spot que não dava para enjoar. Os dias que mais me marcaram foram o dia em que aterrei em frente ao Monte Branco, o que descolei desse mesmo sitio e o que descolei junto ao Aletsch.
* O 1º porque tive de tomar opções importantes. Desde o sitio e condições da primeira descolagem, ao grande risco de poder marrecar com um dia BOM pela frente. Depois porque apesar de ter marrecado, consegui pôr-me a descolar ainda em tempo útil. E por fim, por ter aterrado onde aterrei.
* O 2º, pela imponência de todo aquele maciço que mal me deixou olhar para outro lado, pelo contraste dos brancos para os verdes antes de Martigny e por todos os kms em sobrevivência na 2ª parte do voo, apesar de ter ficado privado de paisagens com outra substância.
* O 3º , porque vi o Aletsch em vôo… e basta!
Em Agosto “nasceriam” mais dois X-Alpers Portugueses, por isso foi só com um “até já” bastante curto que me dirigi aos Alpes. Voltaria em breve, com as crónicas e fotos do Pedro e do Filipe.
…
Apps usadas: Goole Maps / Maps.me / Paraglidable / Morecast / Meteoblue / Windy
Sites usados: SpotAir / Winds.mobi
Material usado: Asa / Cadeira light / Paraquedas de emergência / Capacete/ Cockpit / Flymaster Live SD / Mochila / Bússola / Óculos / Luvas / Action camera + suporte p/ capacete + bateria extra + carregador / Balaclava / Chapéu / Gola / Bastões de caminhada / Camelbak / Tenda / Colchonete insuflável / Frontal / Toalha pequena / Saco-cama / Mochila pequena / Protector impermeável de mochila / Pastilhas para água / Lençol de sobrevivência / Botas / Calças.calções / Leggings cardadas finas / Leggings cardadas grossas / T-shirt algodão / T-shirt poliester / Sweet 1ª camada / Sweet cardada / Forro polar / Casaco PrimaLoft / Casaco Impermeável / Luvas de forro polar / Luvas finas / 2 pares de boxers / 2 pares de meias / Botija de gás / Fogão / Isqueiro / Tacho + copo + garfo + faca + colher / Sacos zip / Fita adesiva / 2 cabos usb + adaptador / MP3 / Telemóvel / Powerbank 30.000mAh / Protector solar / Ligadura elástica / Corta unhas / Escova e pasta dos dentes / Sabonete/ Papel higiénico / Bolsa porta documentos / Remendos e fios para asa (e para estendal).